Friday, February 02, 2007

Outono II

Sem vento, a minha voz secou
aqui, neste parque de cedros quietos.
Tudo é como ontem era, mas a minha
voz, na minha face, calou-se,
porque só o vento me trazia a fala,
vinda de algures, com notícias de alguém,
indo para além, para outros ouvidos, num país.



Fiama Hasse Pais Brandão, in "As Fábulas" , 2002

Não sei quantos seremos, mas qu'importa?!
um só que fosse e já valia a pena.
Aqui,no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto,esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.


Miguel Torga: "Camara Ardente", 1962

Wednesday, January 31, 2007

Eternamente Tu

"O tempo não sabe nada, o tempo não tem razão
O tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção
Se abandonarmos as horas não nos sentimos sós
Meu amor, o tempo somos nós

O espaço tem o volume da imaginação
Além do nosso horizonte existe outra dimensão
O espaço foi construído sem princípio nem fim
Meu amor, huuum, tu cabes dentro de mim

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

A nossa história começa na total escuridão
Onde o mistério ultrapassa a nossa compreensão
A nossa história é o esforço para alcançar a luz
Meu amor, o impossível seduz

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Eternamente tu"


Jorge Palma

2 Anos

Tuesday, January 30, 2007

A CABEÇA DE ARCAIFAZ

"Localização fonética:
a) A cabeça: onde cabe a eça. Popª.:
cabe a eça agora.
b) de Arcaifaz (sismo): o ar (que)
cai, faz (produz) sismo. Faz sismo:
o ar cai. Caindo o ar, fica o caifascismo,
o que dá cai, dá sismo, e retira o ar que
caiu. Por isso se diz que não há ar onde
há alguém que faz sismo., podendo no
entanto sufixismar-se o prefixo, o que
dará o CAIFAZCISMAÇÃO, sublimação da cisma de Caifaz."


Mário Cesariny de Vasconcelos, Poesia, 1961

Sunday, January 28, 2007

Amor

Amor, amor, amor, como não amam
Os que de amor o amor de amar não sabem,
Como não amam se de amor não pensam
Os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
Em vez do sempre amar que o gesto prende
O olhar ao corpo que perpassa amante
E não será de amor se outro não for
Que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
O que não temos nesse amor que amamos,
Mas só amamos quando amamos o acto
Em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes nem depois,
Amor que não possui, amor que não se dá,
Amor que dura apenas sem palavras tudo
O que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
O oleoso repetir das carnes que se roçam
Até ao instante em que paradas tremem
De ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
Os que de amar o amor de amar o amor não amam.
voltar.


Jorge de Sena

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