Wednesday, May 31, 2006

Nomeio o Mundo

Com medo de o perder nomeio o mundo
Seus quantos e qualidades, seus objectos
E assim durmo sonoro no profundo
Poço de astros anónimos e quietos

Nomeei as coisas e fiquei contente
Prendi a frase ao texto do universo
Quem escuta ao meu peito ainda lá sente
Em cada pausa e pulsação, um verso.


Vitorino Nemésio

Tuesday, May 30, 2006

Memória

Se ao acaso te deres, ao vago te entregas. Tu só, espírito culto, ave (não rara) mas livre, tu só és, na plenitude de ti, um pouco do que contigo se criou e mais qualquer coisa do que de novo trouxeres. E assim vamos. Eu, tu, os outros e os alguns que, fingindo-se distraídos, passam por nós e riem, fazendo escárnio. Quando assim for, recolhe-te. Não há nada a fazer. Como saberás, perfeitamente, não há coisa pior do que homens libertinos a quererem passar-se por livres.


Maria Amaro (Maio/06)

Sunday, May 28, 2006

Brief I

Pela cruel coincidência das palavras, escrevo-te, numa tarde primaveril e uma noite quase a nascer…partimos por circunstâncias devidas, como se fôssemos aves e as nossas penas quadrados de linhas rectas, quatro e sorrisos de ocasião. Lamento-me. Penso-te. Provavelmente a esta hora chegarás a casa, como sempre, cansado, da histeria quotidiana dos esboços humanos, com que te cruzas, provavelmente…Assumo a distância dos pontos; a cadência das vírgulas, que caem ao ouvido como pingos ou pedrinhas do granito da calçada. Não haverá, por isso, para lá das hipérboles a que me habituaste ou dos pleonasmos de gargalhadas, a que também me habituaste, momentos mais claros que eu pudesse descrever. A não ser dizer-te, que tenho pena que estejas tão longe, que tenho pena que chegues sozinho a casa, que tenho pena que a tua vida seja sempre, teimosamente, um esboço e que esta carta não chegue até ti. Ponto. Porque eu não gosto de ser reticente e porque, como sabes, para sempre é muito tempo. Peço-te que não me inventes figurinos. Quando deres por ti, verás que te faltam linhas.


Maria Amaro