Tuesday, May 16, 2006

Da Nutrição Cultural



"A Literatura pode ser tudo o que quiserem, veneno, afrodísiaco, também pão, com manteiga, e se possível caviar, para não cheirar a neo-realismo, vinho, de preferência, bilhete para Pasárgada,passaporte para o impossível tudo menos chata. (...) Há uma gastronomia da cultura. Uma higiene alimentar da cultura cujo preceito é o seguinte: não comas o que te sabe mal. Porque o saber bem ou mal são indícios certos da bondade ou da nocividade do alimento. Vejo por aí muito hepático da cultura que massacra a figadeira com petisqueiras que lhe não calham ao organismo. Vejo também muito cozinheiro graduado em panelas críticas que, (é sabido que o cozinheiro vive na perpétua náusea das iguarias que manipula) dá a comer o que não come. (...) Convenhamos porém que uma pessoa alegremente enfadada em resultado de uma nutrição mental adequada ao seu apreço pelos soporíferos, sempre é mais suportável do que o bilioso da cultura sorvida por disciplina didáctica. Os rostos traem. Percebe-se que o indíviduo anda de braço dado, vai ao cinema e dorme com o livro que não ama. Mas é casado com a cultura, respeitabílissima situação que o inscreve na lista dos eleitores dos autores recomendáveis.
Onde quero chegar? A uma hominização da cultura. Um tempo que se presta a um sem número de manipulações filosóficas mas que aqui adquire o sentido real da força do espírito reiterada pela força institiva do que mais convém ao homem, com mais exactidão a cada um.
De contrário, teremos uma cultura de papagaios, e é a que temos como cansativamente nos elucida a linguagem dos relógios de repetição crítico-ensaísticos, acertados pelo último ovo posto pelas galinhas pensantes do "lá fora"."


Excertos de Da Nutrição Cultural da autoria de Natália Correia. Texto incluído na obra A Estrela de Cada Um, páginas 115-117.

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